domingo, 26 de agosto de 2007



Oradores do Deserto
Cantemos a fausta iniqüidade do agora
Velejemos em neuroses globais
Encenando a salvação dos espíritos
Tirando de todas as coisas
O eco mais surdo e a mímica mais cega
Falemos, pois, dessas miríades de castigos
Do despejo universal da meia-morada do indivíduo
Dos iluminados – voluntários da escuridão
Se nosso horizonte é parede cinza
Enxerguemos no cinza os preparativos para a chuva
Quando chove a enxada pára e o arado inerte
Pesa a sorte do semeador do estio
Resta a revolta como predicado da liberdade
Substantivo que acata ordens do vendaval
E explode em oásis de fogo
Porque somos nós os oradores do deserto

quarta-feira, 22 de agosto de 2007



Recomeço
Tomado que estava de um tipo de dor retesa de tão violenta. Ímpio por desventuras e num vazio atávico. Eis, que, como guizos magnéticos, meus olhos conveliram aos teus. Assim cá estou varado de fé em tudo que já não cria.

sábado, 18 de agosto de 2007



Limbo
No farfalhar folhas na brisa, no quebrar de onda ou no tilintar de música tola não me apanho e não conto o passar dos dias. Era pra conter a furtiva mão em busca da tua tez. Era a palavra dura e sentida, soltada como flecha, a guisa de atenção. Era pra não ver tua forma em todas as belezas morenas ao sol. E assim passa o tempo: no paraíso seco do esquecimento ou no vigoroso inferno de todas as recaídas.


Vento
O invento que carcome minha ficta vaga torácica está mais próximo da poeira que do tijolo; é mais vento translúcido que a concreta junção hidróxida do tom de chumbo-azul da chuva. Destina-se a flanar asfixiantemente até que numa breve ou distante manhã, dissipado, nem se chegue a notar que tenha havido.


Brevidade
No fundo a amei porque ela deu tema e enredo. E a guardei dentro da pena de que era escravo. Agora quero um olhar tolo, pródigo e quase vulgar de facilidade. Tudo rasteiro e sensual como a relva. Breve como tudo o que me fará esquecer o que era eterno.


Ícaro no Chão
Com velhas asas coladas em cera meu coração se arrastava onde só moram deusas, anjos e satélites. Era nuvem demais e pouca terra nos pés. Era a fina flor das sentimentalidades sem atos. Era a palavra escrita contra o sussurro. Era a suplica platônica contra o empuxo, o desejo agarrado. Previsível! A física derrete, afasta e evapora; e a qualquer sonho de Ícaro chama ao chão.


Paisagem
Na janela, paisagem invocada por longa jornada, o destino esvoaça tuas idéias. Uma montanha, uma árvore e um curso d`água perfazem o relevo indefinível de um amor que não me pertence. Porém, como algo detido e bruto, dessa ínfima esperança, surgirás eterna.


Signos Trancados
Ela e ele esperavam um amor. Olhares detidos: compromissos de engano ou de promessas inexatas. Parceiros na obscuridade do léxico. Cúmplices em tramas cibernéticas. Não deram certo pela profunda compatibilidade de gênios dos irmãos de peçonhas zodiacais.


Terminativo
Quando fluem gestos latinos e meu sabor de fruta mordida, trago a faca fálica nos dentes com exatidão, presteza e sucesso. De resto, é o encanto de chegar depois de o trem partir como ela dentro, é ter pena de si pra ganhar o perdão do mundo a cada dia. Essa é a paga do caminho sensível e a senha que me aprisiona à solidão de espírito. Como quem pragueja contra Deus, maldigo a poesia.


Amor Soslaico
Certa noite de fogueiras santas e danças pagãs tu disseste não definir a cor do meu olhar. Eles reluziam versos jamais ditos, lábios em aprumo pra beijos de eterno aguardo, delírio de quem amou o porvir. O melhor romance natimorto que alguém já teve. Tudo termina assim, de soslaio, como velha música, sem lugar sem direção. Lúgubre na superlatividade triste do último desejo negado.


Noturna
Leve ser da noite, harpia dissonante e última pétala turva antes da aurora. Jamais me entregaria a ti ou a qualquer outro vício, se não me consumissem certas tribulações inconfessáveis. Ou ainda que tu não fosses bela e fatal, a vida plena e eu poeta.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007


Espíritos
Cambiantes ectoplasmas de vidas desabotoadas. Seres que me acompanham, tipos estranhos e lancinantemente apegados à precariedade terrena. Aspectos deformados que reclamam perdão e pena. O mal nesses vampiros é quase risível, e, desastradas suas fustigações corpóreas. Nenhum tormento atroz. Nenhum castigo além do óbvio percalço biológico e nem mistério que não psíquico. Nada mais que a memória literária descalça em chão de estrelas nuas e o céu pegando fogo na noite da eterna boêmia.

Órfão de Pele
Tenho o coração vivo em talho que não sangra. Pudera, ela era moldada inteira de sonho pra mim. Quisera ser dor resolúvel por lapso de tempo. Porque me deixou órfão de pele por todos poros. Num vazio que nada seprestar a vedar.

O Amor e o tempo das cores
Muito além das estórias fáceis, o amor não é como a flor verde da espera alegre, nem tem o azul da visitação de pássaros felizes, tampouco é vertigem rubra de atos heróicos. Esquálido de roto engano, furta-cor das impossibilidades. Faceta humana e desbotada lembrança.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007



Borboletas
Que lembrança triste dar causa aos ais? E que estranha forma de amor me faz competir com um fantasma vivo e próximo? São os apelos do onírico. São as fotos que ganham asas no fundo das gavetas da saudade inquieta. A ninguém é dado passar pela vida impune, pois, as borboletas negras são belas, vêm vestidas com todas as cores do mistério voluntário e do gracioso luto, marcam retinas... Mas, não pesam no estômago.


Metamorfose
Caminhavas tão longe e me excitavas
Despida tão perto e me aborrece
A borboleta lagarteou
O diamante no cotidiano é carvão
Vinho de uvas passas
O pior ópio, a melhor aspirina

terça-feira, 14 de agosto de 2007



O Sol
No balcão do firmamento, mesmo a miúda lua sempre surge rodeada. E o sol sem companhia. Império de calor, luz e solidão. Compassivo, brinda a todos com as labaredas de que são feitas as algazarras diurnas. Para findar-se no crepúsculo melancólico de quem se pune e não se perdoa por nada exigir do mundo.


Primeira Ode ao Cerco
Eu queria fazer odes para as coisas puras
Das que amo de fato:
Mãe, criança, flor, diamante, donzelas...
De que jeito se só verso o que dá nó no peito
E que nas folhas de papel me vingo e fecho o cerco.
Se tem poder o amor de quem como eu chora
Tenho lágrimas e versos de quem ama
Aproveita o tempo que te resta
Esconda-se de mim
Antes de estarmos ainda mais perto
Que a máxima espreita permita
Que nenhuma visão consiga distinguir-nos
E a maior razão possa separar-nos!!!

segunda-feira, 13 de agosto de 2007


Caminho Retido
As alamedas da minha infância tinham atalhos que só os pude compreender muito depois. Havia sempre um velho devoto de livros, sua sofreguidão pela família e sua fidelidade às raparigas-amantes. Entre nós um elo improvável: ele que nunca pôde ser menino e eu que me recuso a envelhecer.
Acontece que algumas vezes
Pereço voz tumular
Dizendo cuidado
Dizendo que não te pretendo magoar
Que muito maldigo
O próprio sentimento meu
Porque vivo este limbo particular
De pensar na bela, vaidosa e decadente forma tua
A ruína da alma
Num gesto de reconhecimento ao teu espírito altivo e á tua falsa e contemplativa melancolia, transijo e faço sucumbir qualquer saldo de virtude ou orgulho em mim. Não te espero, é certo. Mais te desejo tal qual seu inarredável apego à vida incerta e voluptuosa, que sem pesar, amolda e transfigura nosso enlace. E, apressa nossa ruína.

domingo, 12 de agosto de 2007


Dia de Feira
Choro de menino pobre, turvada lágrima de barro sertanejo que à cova do olho não sabe voltar. Não tem outra coisa além da breve vida. Que na confusão mental ouve e sente que o farto pregão da feira não abafa o ronco de sua miséria visceral.

Templário Teu
A Igreja que sigo (que confesso ter eu mesmo erguido) tem um tripé doutrinário: um preceito apenas, seguidores restritos e uma única divindade. Mandamentais as derivações do êxtase de não haver regra, na felicidade consumível, portátil e táctil de todos os meios artificiais de busca. Eu, por justo, impuro e solitário prosélito, firmo teu espectro singular como abismo paradisíaco e essência suprema.

Derradeira Flor
Posta a flor ao sereno manso da campina
Aos tuncunzeiros e unhas-de-gato
Malícias, urtigas e tudo mais que há no mato

Flora protetora
Perfura, corta e causa dor

No centro da Chapada
Ainda vive a mesma flor
Filha da mulher que luta
Dos homens na labuta
Da juventude inculta

E, toda a selva viçosa
Ameaçada por hordas
De abutres, roedores, e outros rastejantes
Já não tendo carniça
Pra saciar seu ímpeto destruidor e voraz

Só lhes resta devorar a flor

Mas, somos tantos tuncunzeiros, urtigas,
Malícias, unhas-de-gato
E tudo mais que há no mato

Pra defender nossa flor
Da fauna vil e teimosa
Haveremos de causar muita dor

* Homenagem a Chapadinha hoje e sempre uma de minhas maiores referências na vida!!!!

sábado, 11 de agosto de 2007


Espelho
Sobretudo maldigo o freio solene que sequer me deixa querer chorar. Como um espectador na arena da própria desgraça, vejo tua presença esvaindo feito água que se perde entre mãos sem tocar o rosto destino. Paciência! Tu não sentias o sonho, eras mouca e desarmônica. Calei na tua blindagem, nem mar e estrelas ou beleza alguma. Porque nunca fostes mesmo capaz de ver a luz do próprio olhar.
Tempo
Sou eu, apressado vento calmo
Desesperado em mim mesmo

Chamam-me tempo
Sem contar que tenho idade
Sou rio sem margens
Mar de náufragos sem ilhas

Sou eu que não existo
Quem envelhece tudo Amor e sonhos...
Confissão
Para espetáculo de todos e riso geral confesso que te amo! Honradamente sustento essa chaga moral como quem exibe um estandarte. E se isso me faz encarar minha limitação no prazer e no terror de ser piegas, sigo... No respirar dorido, lento, gasopastoso e apaixonado. Na inação petrificada de quem definitivamente não sabe o que fazer com tanto amor.

Flores de Pranto
Existe em algum lugar da Amazônia uma planta que se alimenta de pranto. Vive viçosa regada pelas dores do mundo. Ela tem a idade do homem. Porém pequena, preservada e com frutos dulcíssimos. Um dia, por nós corrompida, ela desaparecerá... E o mundo vai se abrir em flor que não chora mais.
Quando a paixão virou rito
Fui fogo e caldeirão
Amarelei cartas de amor
Des-escrevi fotografias
Procurei outras veredas sumárias
Nas deliciosas bodas da solidão.
Mesmo Fim
A história desse herói humano não começa necessariamente pelo começo. A figura em questão – cavalheiro desastrado, romântico pornográfico e crápula bem-intencionado – tinha tudo pra ser implacável conquistador. Versado nas artes da alcova e na dicção das melhores palavras. Ele sempre se apaixona por suas vítimas e é quem mais sofre. Eis que sua história começa sempre pelo mesmo fim.

Definitiva

Primeira fêmea parteira
Vida menina enfermeira
Morte mulher derradeira

Meia Luz
Cheguei ontem daquela infernal cidade que não desliga nunca. Nada apaga aquela ardência, aquele fogo de pecados e dissoluções. Cá estou na minha pobre e pequena vila. Em contraste, sigo por ruas desertas, nem uma única luz nas janelas dos sobrados. Já não sou daqui, nem sou de lá. Vivo caindo pelas tabelas num lugar que ninguém dorme e estou insone num rincão que só descansa.
Brota da alma
Um estranho arrependimento
De ter te amado

Mina da terra
Como pujante pressão d’água
A irrigar um solo arado

Germina da mente
A notícia de um poema
A esperar o que sai, quando guardado

Sopra da boca
Um tamanho sorriso
Na alegria incontida de teres voltado
Emília
Pintor de obras por encomenda, ele nunca teve consigo grandes pretensões artísticas. Era quadro pra lá grana pra cá. A felicidade de teto e de rango, nada mais. Até que de suas telas surge Emília, uma loira linda, polaca talvez, como essas prostitutas antigas, seios feitos frutas adolescentes, dois jovens jambos rosados... Foi doído. Se apaixonou pela obra e virou artista!!!

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Como rocha alada
Ou bola de chumbo flutuante,
Uma dúvida prendeu-me ao medo.

Foi quando chorei primeiro,
Depois, aprendi a penar com a dignidade e a elegância
De quem se prepara pra surtar, gritar ou morrer a qualquer instante.

Linha da Existência
Quando beirar os noventas anos amarrarei o tempo numa linha de pipa no telhado de casa. Assim, estanco a existência e fico pairando, pairando sem pressa, calmamente. Até que uma leve brisa me transforme em alegria de criança rente ao chão.



Luz
Atrás de um raio perfumado de força colorida
O poeta anoiteceu a cidade, e a escuridão o acolheu
A deriva e laico em portos e igrejas
Viu o que incandesce, e de rua busca esqueceu

Foi assim passando horas
Foi assim pensando em nada
Foi assim, da corrida ao encontro

Que viu a luz sorrir-lhe antes mesmo de raiar o dia
.

Hora sem Sombra
É quando um gato sorrateito transforma-se num tigre grande e feroz que não vejo. Quando a poça d´água, como espelho, reflete o nada como se fora a imponente lua. São becos-labirínticos e suas placas indicativas que o turvo aspecto da hora sem revela.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007


Beija-vos
Como é que essa moçada sai beijando geral? Sempre me espanto na pajelança que é o carnaval. Beijo é o portal da alma, é o que abre a possibilidade para se ir além dele – por sensações mais misteriosas que um mar carente de portugueses. O beijo é um ardil humano e natural que nos poupa de palavras e gestos desimportantes. Há beijos e beijos: sensuais e profundos mesmo em folia; insosso e leviano no elevado de altar. Pensemos nisso... Sem parar de beijar, jamais!!!!